O Decreto 11.075/22 e o mercado de carbono no Brasil

Decreto federal no 11.075, de 2022, é o maior passo dado na direção da descarbonização no Brasil.

credito de carbono

A precificação do carbono é um tema em pauta há anos no Brasil. Assistimos a países próximos, como Colômbia, à frente. Por mais de uma década espera-se uma iniciativa federal para que, finalmente, haja avanços além dos debates. Amplamente aguardado, as impressões iniciais do decreto federal nº 11.075, publicado em 19 de maio de 2022, contudo, trazem um aspecto de descontentamento quanto aos efeitos práticos de sua implementação.

A bem da verdade, a despeito de lacunas e frustrações, o decreto constitui-se como um passo na direção da descarbonização do Brasil – o maior passo dado em relação ao mercado regulado há décadas.

O decreto estabelece os procedimentos dos Planos Setoriais de Mitigação das Mudanças Climáticas e institui o Sistema Nacional de Emissões de Gases de Efeito Estufa – Sinare. Embora critique-se a forma – em regra, os decretos não podem inovar na ordem jurídica, servindo apenas para dispor sobre matéria já definida em lei, regulamentando-a – a norma inaugura a abertura do mercado regulado de carbono e metano no Brasil.

A iniciativa cria e desenvolve um mercado interno, no qual pretende-se concentrar um sistema unificado de registro de emissões, remoções, reduções e compensações de gases de efeito estufa (GEE) e de atos de comércio, de transferências, de transações e de aposentadoria de créditos certificados de redução de Emissões. Em tese, este sistema abrange tanto o mercado regulado quanto o mercado voluntário de créditos de carbono e cria mais ativos que poderão passar a constituir o Sistema.

A ideia era que o decreto estivesse alinhado aos compromissos internacionais assumidos, sobretudo na COP-26 quando, ao lado de uma centena de outras nações, pactuou-se pela redução das emissões do metano e em cerca de 50% das emissões de GEE até 2030, usando como linha de base o ano de 2005. Como referência, foi usado o Quarto Inventário Nacional de Emissões e a Contribuição Nacionalmente Determinada com as metas e compromissos assumidos no Acordo de Paris. As pressões externas de investidores esperam o posicionamento do Brasil como um player mais consistente dentro do mercado de carbono e já considerado a “Arábia Saudita do carbono”.

Vale lembrar que o panorama regulatório anterior ao Decreto já era coberto por uma multiplicidade de normas, tanto regionais como setoriais, conectadas ao tema do mercado de carbono e alusivos a ativos ambientais, que perfazem um cenário repleto de fragmentos que juntos promoveram progressos incipientes; em outras palavras, um esboço à espera de uma versão uniforme.

Neste âmbito sobressaíram a RenovaBio do setor surcoalcooleiro; a Lei de Pagamentos por Serviços Ambientais (PSA), nº 14.119/ 21 com desdobramentos sobre os créditos de carbono na modalidade de PSA; a Resolução nº 3/2020, do CONAREED, que reconhece o mercado voluntário de carbono como mecanismo de combate ao desmatamento; e o PL528/2021, apensado ao PL 2148/2015, em tramitação no Congresso Nacional, cujo objetivo principal é regulamentar o Mercado Brasileiro de Redução de Emissões (MBRE) em consonância com as disposições expressas na Lei 12.187/2009 – Política Nacional de Mudança do Clima (PNMC).

Aliás, no tocante à RenovaBio, o decreto não deixa claro que tipo de tratamento será oferecido às iniciativas já existentes, de maneira que abriria possibilidades de o mercado pagar duas vezes pelo crédito. Ou seja, no caso do biocombustível, pelo Renovabio e no MBRE, tendo em vista a inexistência de limitação quanto ao registro e certificação de crédito, o que poderá acarretar o esvaziamento da RenovaBio.

Não à toa esperava-se da regulamentação federal termos específicos para estruturação do mercado. Ele prevê que no período de 180 dias, prorrogáveis por igual período, os setores que integram a PNMC apresentem propostas relacionadas à redução das curvas e emissão de GEE, tendo por consideração o objetivo de neutralidade climática informado na NDC. Os setores previstos são: (i) Geração e distribuição de energia elétrica; (ii)Transporte público urbano e sistemas modais de transporte interestadual de cargas e passageiros; (iii) Indústria de transformação e de bens de consumo duráveis; (iv) Indústrias químicas fina e de base; (v)Papel e celulose; (vi)Mineração; (vii) Construção civil; (viii) Serviços de saúde; e (xi) Agropecuária. Assim sendo, ele não cria o mercado regulado, como aguardado e divulgado, mantendo a necessidade de que o PL nº 528 seja aprovado como lei para que haja segurança jurídica em relação a transações e investimentos.

Por outro lado, em relação ao mercado voluntário, a medida pode surtir efeitos mais rápidos, por ato conjunto dos ministros do Meio Ambiente e da Economia no tocante ao estabelecimento de padrões de certificação dos créditos, quando poderão ser vendidos para setores interessados e até usados como investimento, tendo em vista o caráter intercambiável com os créditos do mercado regulado.

Em relação às obrigações de cumprimento pelos agentes setoriais, embora estabeleça aspectos sobre a competência das autoridades, critérios devem ser levados em consideração para oferecer tratamento diferenciado aos agentes setoriais. Importante mencionar que a apresentação de “cronogramas diferenciados para adesão dos agentes setoriais” é um aspecto que ainda carece de complementação pelo seu caráter apenas propositivo.

O ato define conceitos importantes, dentre eles: créditos de carbono, metano e de certificado de redução de emissões, compensação de emissões GEE, mensuração, relato e verificação (diretrizes e procedimentos para o monitoramento, quantificação, contabilização e divulgação de forma padronizada, acurada e verificada, das emissões de GEE de uma atividade ou da redução e remoção das emissões de GEE de uma atividade ou projeto passível de certificação), unidade de estoque de carbono etc.

O que mais chama a atenção entre as definições é a separação entre o crédito de carbono do crédito de metano. No Brasil e no mundo, há vários projetos de créditos de carbono que se vinculam ao metano (dentre eles, os créditos de captura e queima do metano em aterros sanitários, por exemplo). Tal separação suscita dúvidas sobre a sua finalidade. Talvez, para facilitar a contabilização das reduções de metano no Brasil, tornando mais simples, também, o reporte nacional da meta de redução do metano em relação ao compromisso assumido pelo Brasil no COP-26 ou, um maior interesse na criação de um mercado de créditos de metano em um país onde os lixões e os escassos aterros sanitários são realidade.

A despeito das críticas, a iniciativa é louvável. Mas ainda é cedo para afirmar se teremos um mercado de carbono regulado de fato, tendo em vista que o decreto se mostra insuficiente na sua estruturação e menos audacioso em metas e compromissos assumidos, restando às empresas a continuidade no avanço e estreitamento de suas práticas cada vez mais nos padrões internacionais e na pressão pela adoção de um mercado nacional regulado.

*Artigo publicado originalmente no Jota.
Escrito por
Homem sorrindo para a câmera com um escritório vazio ao fundo

Jean Marc Sasson

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Head das áreas de Regulação e Novas tecnologias & Ambiental, Mudanças Climáticas e ESG do Lima Feigelson Advogados.

mulher de azul morena sorrindo

Fernanda Telha

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Advogada no time de Regulação e Novas Tecnologias do escritório Lima Feigelson Advogados.

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