Numa casinha de NFT: futuros desafios do direito imobiliário no Metaverso

Iniciar um artigo citando que Aristóteles definiu o homem como um sujeito social que, por sua natureza, precisa pertencer a uma coletividade demonstra grande pseudo-erudição.

Mulher cientista de branco

Mas é muito mais sonoro citar os versos de Kid Abelha: “Jogue suas mãos para o céu. Agradeça se acaso tiver. Alguém que você gostaria que. Estivesse sempre com você”. No entanto, o ponto aqui é que o Direito Urbanístico e Imobiliário dão conta com tranquilidade dos reflexos jurídicos de se estar na rua, na fazenda e até na casinha de sapê. Por outro lado, muito ainda cabe ser refletido e construído na dimensão das casinhas feitas de NFT.

Metaverso é o buzzword da vez. E não há problema nenhum nisso. De um lado, incrédulos se lembram do fracasso do second life e julgam que nada de bom vai sair dessa onda. Nesta mesma matiz, alguns justificam que nada de novo há no conceito, e se vangloriam nas suas torres de marfim julgando todo o movimento uma grande besteira. Do outro lado, otimistas compram todos os NFTs que surgem no OpenSea, jogando-se completamente na crença de que uma revolução iminente está por vir.

Entre o 0 e o 1, típicos da polaridade da Era não binária, em que a polaridade binária está mais presente do que nunca, existe uma vastidão de reflexões. E é nesse oceano, ou melhor, nesse “mar aberto” de imprevisibilidade, no campo do princípio da incerteza, que buscaremos fazer algumas análises e questionamentos despretensiosos. Mas o objetivo aqui não é tratar de mecânica quântica, muito menos de computação quântica. Não falemos de qubits, mas sim de características do que está por vir do ponto de vista do Direito Imobiliário 4.0.

O fato é que estamos vivendo o que muito denominam de web 3.0. Do ponto de vista acadêmico, somos muito fãs das metodologias que fragmentam os fenômenos para dar conta de análises pormenorizadas das características próprias de cada período.

Resumindo: (i) web 1.0 (Entre 1990-2000): sites estáticos, baixa interação, ausência de big techs, popularização da internet; (ii) web 2.0 (últimos 20 anos): estabelecimento das big techs, maior interação e migração do comércio para o universo online; (iii) web 3.0 (daqui em diante): o que está por vir.

A busca por experiências mais imersivas não é nova. Para ilustrar, cabe mencionar que o Meta, então Facebook, adquiriu, em 2014, por 2 bilhões de dólares, a Oculus VR. A novidade está no fato de que o aplicativo da Oculus foi o mais baixado no Natal de 2021.

Em síntese, o desenvolvimento de tecnologias relacionadas à realidade virtual, aumentada, além de hologramas já era um fato. No entanto, tais características se aceleram com uma pandemia que impôs uma limitação de sociabilidade nos últimos dois anos.

Assim, ao que parece, estamos vivendo o ponto de inflexão da experiência até então vivenciada. Da mesma forma que a máquina de escrever deu espaço aos computadores pessoais, os celulares aos smartphones, o filme a rolo às fotos digitais, a experiência 2D será substituída pela experiência imersiva.

Outra grande aposta da web 3.0 diz respeito à descentralização. A maioria das pessoas nem mais se lembra de Satoshi Nakamoto, personagem fantasioso icônico do Bitcoin, mas, ao que tudo indica, quase 15 anos após sua criação, a ideia de descentralização parece fazer cada vez mais sentido.

A tecnologia blockchain, com todos seus aperfeiçoamentos após uma década, é um dos elementos centrais do que  já se vivencia.

A Teoria dos 6Ds do Peter Diamandis, da Sigularity University, preconiza a digitalização, decepção, disrupção, desmaterialização, desmonetização e democratização.

Essa teoria é desenvolvida com base na fungibilidade e abundância características da web 2.0. Ou seja, a internet se mostrava como um território livre em que tudo parecia ser gratuito e infinitamente replicável. Sendo certo que o que mais ascendeu em tal contexto foram empresas de publicidade que rentabilizaram como nunca antes visto na humanidade com o tráfego da experiência entre online e offline.

No entanto, na medida em que a vida passa a migrar, a partir de experiências mais imersivas, para o ambiente 100% virtual, mostra-se necessária a ascensão de uma verdadeira nova economia digital.

Para exemplificar: imagine um brasileiro que despendia 4 anos em redes sociais, era impactado por um post patrocinado de uma marca de roupas, adquiria uma camiseta e seguia para uma casa de festas, que anunciava em um site buscas. Em tal contexto, os 6Ds fazem todo sentido.

No entanto, quando este mesmo indivíduo passa a frequentar festas digitais no metaverso, usando roupas digitais, é preciso “materializar” esses bens. Nasce assim o conceito de NFT, token não fungível, que cria uma percepção maior de “propriedade”, de “individualidade”.

A questão da “terra” está presente em todos os economistas clássicos, Thomas Malthus, Adam Smith, James Mill e David Ricardo. Mas certamente nenhum deles poderia supor o que viria a ser o conceito de terrenos virtuais.

Embora os incrédulos possam conceber que terrenos em ambientes como Sandbox se assemelham à venda de imóveis na lua, o fato é que pela mesma análise feita no contexto dos NFTs, a percepção de propriedade “precisa migrar” para o metaverso para manter o sistema capitalista.

E aí surge a grande discussão sobre os desafios inerentes à aplicação do Direito Imobiliário no Metaverso. Não há dúvidas de que a evolução tecnológica implica na necessidade de adaptação do ser humano à nova realidade, e no universo jurídico não é diferente.

A idealização de uma compra e venda de imóvel no mundo virtual ainda está em fase embrionária e pouco foi analisada sob a ótica do Direito Imobiliário. No entanto, algumas situações não podem deixar de ser objeto de maior reflexão.

Em curtas linhas, uma compra e venda de imóveis no mundo físico se constitui da seguinte forma: i) assinatura de um contrato preliminar; ii) emissão de certidões em nome do alienante e do imóvel; iii) pagamento do respectivo imposto; iv) lavratura de escritura definitiva de compra e venda; v) registro.

Contudo, em se tratando de metaverso a situação não é tão simples, principalmente pela inexistência de qualquer regulamentação ou, até mesmo, clara previsão em nosso ordenamento jurídico sobre a legislação aplicável.

Como já dito, as compras no metaverso são representadas por um NFT (token não fungível) hospedado em site internacional. Não podemos esquecer o ditado popular de que “quem compra terra não erra”. Porém, aqui não existe a materialização do bem adquirido, ou seja, não há representação corpórea, tratando-se apenas de ativo digital.

Nosso Código Civil foi sancionado em 2002, época em que sequer se cogitava a existência desta “realidade paralela”, de modo que não há previsão jurídica a amparar os desafios por ela impostos. Exemplificando, seria viável penhorar ou hipotecar um imóvel no metaverso? Será que em algum momento futuro existirá uma regulamentação através de Cartórios de Registro de Imóveis Virtuais? Haverá possibilidade de se suscitar fraude à execução contra eventual devedor que dilapidou seu patrimônio adquirindo imóveis no OpenSea? Qual modus operandi para se operar uma transação imobiliária no metaverso entre pessoas físicas? Como se dará a locação de bens?

Podemos ir além. Considerando que qualquer item adquirido no metaverso é representado por um NFT – seja ele imóvel, avatar ou qualquer outro – podemos afirmar que todos os questionamentos acima podem ser estendidos para qualquer aquisição feita no mundo virtual.

Estes são apenas alguns dos inúmeros questionamentos necessários para começar a instrumentalizar e materializar o Direito Imobiliário Virtual, fato imprescindível para começarmos a nos preparar para o futuro.

O mundo é cíclico e com a evolução das transações imobiliárias no metaverso não há dúvidas que novos desafios surgirão e, diante deste cenário, competirá ao ordenamento jurídico se adaptar ao mundo virtual.

Com estes novos fenômenos, possivelmente veremos uma releitura da história moderna. Imaginemos como se materializarão as incorporações e condomínios edilícios no metaverso, que ganharão contornos virtuais em decorrência da escassez de imóveis (ao menos nos locais considerados mais valorizados).

Mais uma vez não pretendemos fazer uma análise profunda, mas a “monetização” dos terrenos virtuais e a evolução deste mercado de land sale parecem ser elementos essenciais na expansão econômica para o metaverso.

Escrito por
Homem de terno azul sorrindo para a câmera

Leandro Sender

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Especialista em Direito Imobiliário e Sócio do Sender Advogados Associados.

Homem de terno cinza sorrindo para a camera

Bruno Feigelson

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Managing Partner do Lima Feigelson Advogados

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