Possibilidade de execução judicial da dívida e a cobrança de eventual saldo remanescente após o segundo leilão.
A Lei 9.514/97, que instituiu a Alienação Fiduciária de Bens Imóveis, trouxe diversas inovações sob o ponto de vista da segurança ao credor para execução de sua dívida.
A novidade trazida por tal legislação teve como precípuo objetivo criar uma alternativa viável ao instituto da hipoteca. Assim, na alienação fiduciária, o devedor (fiduciante) transmite ao credor (fiduciário) a propriedade imobiliária resolúvel em garantia da dívida assumida.
Não sendo paga a dívida após a notificação para purga da mora, o credor promoverá a consolidação da propriedade em seu nome e os consequentes leilões extrajudiciais, na forma dos artigos 26 e 27 da Lei 9.514/97.
No primeiro público leilão, o valor atribuído ao bem será aquele indicado no contrato ou, na forma do art. 24, parágrafo único, do mesmo diploma legal, o montante utilizado para base de cálculo para apuração de ITBI, sempre utilizando o de maior valor.
Não sendo frutífero, será realizado o segundo leilão, onde será aceito qualquer lance oferecido, desde que igual ou superior ao total da dívida, despesas, prêmios de seguro, encargos legais, tributos, e contribuições condominiais.
Para evitar qualquer controvérsia no tocante ao significado daquilo que é compreendido por “dívida” e “despesa”, a própria legislação, em seu artigo 27, §3º, I e II, traz as respectivas definições. Vejamos:
“I - dívida: o saldo devedor da operação de alienação fiduciária, na data do leilão, nele incluídos os juros convencionais, as penalidades e os demais encargos contratuais;
II - despesas: a soma das importâncias correspondentes aos encargos e custas de intimação e as necessárias à realização do público leilão, nestas compreendidas as relativas aos anúncios e à comissão do leiloeiro.”
Se o maior lance apresentado no segundo leilão for inferior ao total acima mencionado, ou caso nenhuma oferta seja apresentada, será considerada extinta a dívida e o credor fiduciário se tornará pleno proprietário do bem, conferindo quitação ao devedor fiduciante.
Ocorre, porém, que, em diversas situações, não convém ao credor adquirir a propriedade do imóvel, como, por exemplo, caso o imóvel tenha sido destruído, no todo ou em parte, ou até mesmo pela simples opção do fiduciário, principalmente se o devedor possuir outros bens que possam satisfazer o crédito.
Nas palavras de Melhim Namem Chalhub:
“Em qualquer dos casos de vencimento antecipado da dívida o credor fiduciário pode optar pelo processo judicial de execução por quantia certa contra o devedor solvente, caso considere esse meio mais adequado de acordo com as circunstâncias” (CHALHUB, Melhim Namem. Alienação Fiduciária: Negócio fiduciário. 5. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2017, p. 281).
Importante ressaltar que, em qualquer dos ritos escolhidos pelo credor fiduciário, existirá a possibilidade de cobrar eventual saldo remanescente através da esfera judicial. Na hipótese de se ter optado, desde o princípio, pelo ajuizamento de processo de execução de título extrajudicial, caso o produto da arrematação do bem não seja suficiente para satisfazer integralmente o crédito, bastará que o credor promova o prosseguimento do processo.
Por outro lado, apesar de o tema ser bastante controverso, majoritariamente entende-se que, caso a execução tenha seguido os ditames da Lei 9.514/97, mediante a realização dos públicos leilões extrajudiciais, na hipótese de serem estes negativos e o valor do imóvel não ser suficiente para quitação da dívida, poderá o credor fiduciário promover a cobrança judicial do saldo remanescente através de ação monitória, conforme súmula 384 do Superior Tribunal de Justiça.
A possibilidade de execução judicial do saldo quando o procedimento de cobrança é iniciado na esfera extrajudicial decorre da interpretação extraída dos parágrafos 5º e 6º do artigo 27 da Lei 9.514/97, no sentido de que a extinção da dívida e a quitação ali mencionadas apenas abarcam a parcela da dívida garantida pela propriedade fiduciária.
O Superior Tribunal de Justiça analisou recentemente a matéria ao julgar o Recurso Especial nº 1.965.973-SP, cujos trechos principais seguem abaixo:
“A propositura de execução de título extrajudicial, aliás, aparenta ser a solução mais eficaz em determinados casos, diante da existência de questão altamente controvertida, tanto da doutrina quanto na jurisprudência dos tribunais, referente à possibilidade de o credor fiduciário exigir o saldo remanescente se o produto obtido com a venda extrajudicial do bem imóvel dado em garantia não for suficiente para a quitação integral do seu crédito, ou se não houver interessados em arrematar o bem no segundo leilão, considerando o disposto nos §§ 5º e 6º do art. 27 da Lei nº 9.514/1997, que assim dispõem: (...)
No entanto, na hipótese de alienação extrajudicial do bem dado em garantia, ao contrário do sustentado nas razões do recurso especial, o credor fiduciário não está impedido de exigir o saldo remanescente se o produto obtido com a venda extrajudicial não for suficiente para a quitação integral do seu crédito. O remanescente da dívida apenas não estará mais garantido ante o desaparecimento da propriedade fiduciária, o mesmo ocorrendo na hipótese de não haver interessados em arrematar o bem no segundo leilão.
Com efeito, a despeito da referida previsão legal, tem prevalecido no âmbito do Superior Tribunal de Justiça a interpretação segundo a qual a extinção da dívida– expressão utilizada pela lei – opera-se apenas em relação à parcela da dívida garantida pela propriedade fiduciária, tendo o credor a possibilidade de cobrar do devedor o valor remanescente de seu crédito.” (Recurso Especial nº 1.965.973-SP - Relator: Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva – DJ 15/02/2022)
Assim, a seu exclusivo critério, o credor pode optar pelo ajuizamento de execução por título extrajudicial, desde que o instrumento de alienação fiduciária seja por escritura pública ou, sendo por instrumento particular, esteja subscrito por duas testemunhas, na forma do artigo 784, II e III, do Código de Processo Civil, lembrando-se, ainda, que, quando se tratar de cédula de crédito bancário, o reconhecimento como título executivo extrajudicial decorre da própria dicção do artigo 28 da Lei 10.931/04.