O legal design está em alta em todos os contextos do mundo jurídico. Alguns enxergam a temática como algo positivo e, por outro lado, existe um grupo de pessoas que o olham com cautela.
A questão de fundo aqui é saber se existe alguma relação entre o direito, a arte e o legal design. Para analisar a questão, colocaremos uma pergunta adicional: “Seria o legal design o resgate da conexão entre a arte e o direito?”
Todos os apontamentos que serão feitos a partir daqui, entendem que a arte e as artes visuais, assim como o direito, fazem uma representação temporal; uma representação da época em que algo foi retratado ou criado.
Para refletir e dar alguns insights a essas questões, acreditamos que primeiro precisaremos fazer uma breve investigação histórica do surgimento do direito e por fim conectarmos legal design ao mundo jurídico.
A primeira referência que temos relacionada ao direito foi o código de Hamurabi. Trata-se de um compilado de leis criado a mando de Hamurábi, rei da Babilônia no século XVIII a.C.
Este código representa um grande avanço da presença de elementos textuais e, igualmente importante, é a imagem de legalidade materializada neste grande pedaço de basalto, onde pode-se ver o Deus Sol babilônio, Shamash, entregando a Hamurabi um anel e cetro, conferindo autoridade. Essa conexão está explícita no prólogo do Código:
"Então Anu e Bel encantaram a carne da humanidade me chamando, o renomado príncipe, o temível Hammurabi, para estabelecer justiça na terra, para destruir a base e os ímpios, e para conter os fortes de oprimir os fracos: brilhar como o deus-sol sobre os homens de cabeça preta e iluminar a terra"
Claramente o código está reivindicando não somente em imagens mas pelas imagens, como o sistema legal traz luz e visão (a imagem da luz e do Sol não é simplesmente uma metáfora, mas sua origem e justificativa), conforme apresentado no livro "The law and the visual".
O legado da Grécia Antiga está muito mais no campo da Filosofia do que no do direito, grandes nomes colaboraram para isso, tais como: Sócrates, Platão e Aristóteles. Não existia escola de juristas como em Roma, mas escolas de retórica, dialética e Filosofia.
A Grécia no seu período da democracia se organizava a partir de três instituições: a Assembleia (poder executivo), o Conselho (poder legislativo) e por fim o Tribunal de Heliaia (principal órgão do direito Grego).
O Tribunal de Heliaia era formado por cerca de 6.000 cidadãos comuns que eram escolhidos por meio de sorteio sempre que havia a necessidade de julgar alguma causa de grande repercussão.
Todo cidadão grego deveria ter conhecimento das leis, porque eram eles próprios que defendiam sua causa diante do tribunal. Porém, nem todo cidadão grego tinha o conhecimento para fazer a sua sustentação oral e aqui nasce a advocacia.
Os gregos que não sabiam montar a sua defesa procuravam determinados sábios filósofos versados na arte retórica para a preparem. Estes eram chamados de logógrafos, e recebiam uma quantia para escreverem a defesa daquele cidadão perante o tribunal.
Primeiramente, como dito na introdução, a arte visual, para além de provocar questionamentos e de sua força afetiva – na conexão entre corpos e sentimentos – ela representa espaço e tempo.
Além disso, o logógrafo se utilizava da arte retórica para montar a defesa do cidadão que o procurava. Consequentemente a retórica era utilizada inseparavelmente no exercício da advocacia.
Era por meio desta ferramenta que os ‘advogados’ construíam seus discursos jurídicos, a prova inquestionável disso é que o primeiro advogado da história, Demóstenes — século IV a.C na Grécia, ficou conhecido como o primeiro orador de Atenas.
Ele se utilizava da retórica para a montagem de seus discursos e sempre obtinham grande êxito. A retórica é, basicamente, a arte de falar bem.
Os filósofos gregos antigos denominavam, com a palavra techné, o que em latim foi traduzido pela palavra ars (arte). Nesse sentido, a palavra arte tem uma equivalência com a palavra técnica, pois ambas dizem respeito a um modo de fazer algo.
Assim sendo, a retórica enquanto técnica constitui um conjunto de regras que afirmam um modo de fazer ou um modo de operar algo (modus operandi). A saber, de falar com eloquência, o que possibilita o entendimento e o convencimento.
Demonstramos anteriormente, que direito e arte foram no início realidades inseparáveis, de tal forma que quanto mais o logógrafo (advogado) dominava a techné (ars do latim, arte em português) da retórica, mais ele obtinha sucesso para os seus clientes.
Pois assim, conseguia persuadir seus ouvintes. Aqui podemos fazer uma inferência, sem medo de errar: assim como a oratória estava para o direito antigo, hoje o legal design está para o direito contemporâneo.
Inegavelmente, o legal design seria de fato um resgate da conexão entre arte e direito, porque ele é sobretudo, a tentativa de fazer com que o Direito se torne mais atrativo e simplificado para o indivíduo que não faz parte do mundo jurídico. Assim como, o logógrafo (advogado) se utilizava da retórica perante o tribunal de cidadãos comuns.
O mundo jurídico vem passando por diversas transformações, assim como tantas outras áreas. A grande revolução digital e o que alguns denominam a quarta revolução industrial quebraram diversos paradigmas.
O centro da atividade comercial passou da fabricação ao produto e do produto para o usuário. É preciso pensar na criação do produto jurídico não só pela ótica do produto em si, mas também na ótica do usuário.
Na Grécia Antiga recorria-se à arte retórica para fazer-se compreensível, hoje o legal design é uma ferramenta para melhor comunicar.
Falar em legal design é pensar em uma forma de fazer com que o direito se torne mais atrativo e simplificado para o indivíduo que não faz parte do mundo jurídico. Como também, simplificar para quem faz parte deste universo, sobretudo porque hoje em dia cada vez se tem menos tempo.
Um exemplo prático do que comentamos acima é o visual law, uma subárea do Legal Design que emprega elementos visuais para tornar as informações descritas nos produtos jurídicos mais claras e compreensíveis.
As técnicas são as mais variadas e envolvem a utilização de fotos, vídeos, infográficos, fluxogramas, storyboards, bullet points, mapas mentais entre outros recursos. O visual law propõe novas formas de comunicação legal, ademais no mundo de hoje onde cada vez mais nos comunicamos por imagens.
Mas transformar um contrato, um regulamento, os termos de uso, uma petição ou qualquer documento jurídico nesse novo formato não é uma tarefa simples.
No caso dos contratos, por exemplo, só um advogado é capaz de entender os pontos mais relevantes, e como a comunicação com as partes pode ser mais assertiva.
Por isso, essas atividades são feitas por times multidisciplinares, e a participação do profissional do direito é mais do que essencial.
Em resumo, o legal design é o resgate desta conexão entre a arte e o Direito. É a remodelação dos serviços jurídicos e a resolução de problemas centrado no destinatário final (receptor das mensagens), sendo ele: um cidadão leigo, um promotor, um juiz ou as partes envolvidas. É fazer, mais uma vez, a aproximação do mundo jurídico com o da população.
O direito, em sua origem, se utilizava da arte retórica para bem desenvolver o seu papel. Na explicação dos passos anteriores demonstramos que era no cotidiano que ocorria esse entrelaçamento entre arte retórica (estudada pelos filósofos) e o direito.
O Direito e a Arte cumpriram, em tempos passados, um papel de retratar a temporalidade e o modo de vida das sociedades, algo que, com o passar do tempo, foi perdendo conexão, fazendo com que o mundo jurídico se distanciasse do cotidiano das pessoas.
Sendo assim, o legal design seria de fato um resgate moderno desta conexão entre arte e direito, pois o legal design é sobretudo a tentativa de facilitar a comunicação entre estas ciências, assim como foi a arte retórica uma ferramenta para colaborar com o direito.
Referências bibliográficas:
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Disponível em:https://unisotech.uniso.br/legal-design-inovacao-e-acesso-ao-mundo-juridico/. Acesso em: 25 maio 2022.
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